Filme Apenas um Movimento (Juste un Mouvement, 2021), de Vincent Meessen
por Thais Craveiro
O documentário Apenas um Movimento (Juste un Mouvement, Vincent Meessen, 2021) se desenrola diante dos olhos do espectador como uma dança. Entre seus cortes rápidos e secos, suas músicas e seus silêncios, seus corpos que se movem em planos abertos e close-ups, fazemos viagens entre o Senegal, a França e a China. Nos planos de abertura do filme, passeamos por uma exposição sobre Jean-Luc Godard em Paris, e nos poucos segundos de um corte estamos no centro barulhento e movimentado de Dakar. A paisagem da cidade africana é ambientada por uma música chinesa. Já no início do filme questionamos a razão dessas conexões.
O longa-metragem do artista visual e cineasta Vincent Meessen, é um ensaio documental de caráter biográfico sobre Omar Blondin Diop, militante senegalês que morreu na prisão de forma suspeita em 1973 durante o governo unipartidário de Léopold Senghor, tendo sua morte encoberta pelo Estado, sob a alegação de que havia cometido suicídio na cela. Apenas um Movimento critica os sistemas coloniais partindo da perspectiva dos colonizados e seus personagens, frequentemente silenciados pela visão de mundo e abordagem histórica ocidentais. O diálogo entre imagens, sons e personagens, expressa uma proposta ousada para o documentário biográfico, sem a intermediação da narração em voz off.
É através da montagem que Meessen narra a história de Omar Diop e o seu papel na luta pela independência do Senegal, antiga colônia francesa. Logo começamos a entender a relação entre os três países. Omar estudou em Nanterre, juntou-se ao movimento estudantil, e fez uma participação no filme A Chinesa (1967) de Godard, uma alegoria às agitações políticas de orientação Maoísta durante os anos 1960 na França.
Se Godard ilustrou seu filme com a imagem do jovem Omar- como ele afirma em uma entrevista transmitida em monitores na exposição em Nanterre, e o Estado senegalês omitiu a responsabilidade por sua morte, Meessen o fez emergir como o protagonista de sua própria trajetória colocando sua história em primeiro plano através dos depoimentos de seus irmãos e amigos. Ao mesmo tempo, discute o passado colonial francês do Senegal, e a atual presença de uma China economicamente forte, que através de seu soft power explora as suas riquezas minerais em troca de infraestrutura e da inserção da cultura chinesa no país.
Entre cenas de praticantes de Kung Fu a inauguração de um museu construído através de investimento chinês, pessoas protestam nas ruas: “Não vendam o futuro dos africanos! ”. Novamente através da montagem, o diretor faz emergir uma aula de História: entre os depoimentos dos amigos e familiares de Omar e as falas de outros senegaleses, temos cortes rápidos para cenas do filme A Chinesa. Os cortes secos vêm acompanhados de sons de gongos e de golpes de luta, como se os africanos pudessem se defender da visão eurocentrada dos personagens do filme de Godard.
No entanto, o documentário de Meessen não tem a intenção de tornar Omar Diop um mártir, ou uma figura monumental. Omar transitou entre a França e o Senegal, entre o movimento estudantil e a luta nacional, entre pensamentos políticos, e entre cursos universitários que ele nunca concluiu, pois preferia estar em trânsito. Sua morte provocou uma grande revolta no povo senegalês: todos foram às ruas em protesto. Omar é movimento.
Nos planos finais do filme, o rapper Fou Malade e o professor universitário Felwine Sarr conversam sobre o futuro do Senegal em um trem que sacoleja ao deslizar pelos trilhos. Enquanto Malade acredita em uma reabilitação para o país, e questiona a presença chinesa, Sarr acredita em reinvenção. Ele enfatiza que a China não faz caridade, mas sim “explora recursos e dá infraestrutura sem causar problemas civilizacionais”. Ele também defende que a reabilitação é estática, e a reinvenção é movimento. Movimento que permitirá construir um novo Senegal para as próximas gerações. O trem se move em direção ao futuro do país.
Não vendam o futuro dos africanos!
Thais Craveiro é Historiadora, graduada na Universidade Federal de São Paulo (2016), e mestre em Cinema pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, através do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (2022, pesquisa desenvolvida com bolsa CAPES). Durante o bacharelado desenvolveu pesquisas sobre a imigração chinesa na cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro, e atualmente pesquisa as relações do cinema chinês revolucionário com o cinema soviético, sob a perspectiva da representação das personagens femininas.
Este texto foi desenvolvido no Laboratório Crítico, que aconteceu durante a edição 2022 da Mostra de Cinemas Africanos em São Paulo, ministrado pela crítica de cinema Juliana Costa.