Filme Você Morrerá aos 20 (2019), de Amjad Abu Alala
por Sailon Paixão
Como é estar morto? E como é estar vivo? Essas parecem ser as principais perguntas que Muzamil se faz a cada vez em que repousa sua cabeça sobre o peito de algum dos demais personagens de Você Morrerá aos 20 (2019), de Amjad Abu Alala. Condenado desde o nascimento a uma vida com dia marcado para terminar através das previsões de um líder religioso, Muzamil vive seus dias em resignação. A profecia leva seu pai a vagar pelo mundo de emprego em emprego por diversos países, enquanto sua mãe o mantém sob vigília constante dentro de casa, como se a qualquer momento a morte anunciada pudesse ser antecipada.
Naturalmente, como criança, Muzamil testa limites, desaparece das vistas maternas, busca saber de antemão como será a sua morte. Com o passar dos anos, no entanto, a vivacidade do rapaz dá lugar a um jovem cumpridor de regras cuja vida se resume a andar da mesquita até seu trabalho no mercado da vila e de lá até em casa. Ao conviver constantemente com o fantasma da morte, Muzamil não se permite (e nem é permitido pelos demais) viver sua juventude. A morbidez que envolve sua vida está presente nas vestes negras de sua mãe, em luto desde seu nascimento, e num cômodo específico de sua casa cuja única função é abrigar centenas de riscos na parede que servem para contabilizar seus dias de vida até o vigésimo aniversário, exatamente como numa cena clássica de prisão.
Ao longo de sua narrativa, o filme parece metaforizar quais são as consequências de uma vida desprovida de objetivos, e que por isso é vivida protocolarmente como se houvesse um final predefinido. A vida de Muzamil nada difere de uma prisão onde o jovem não tem escolha senão aguardar seu fim. Contudo, são nas figuras disruptivas de Naima e Sulaiman que a produção apresenta outras possibilidades. A primeira, uma amiga de infância que se apaixona por ele, busca constantemente demonstrar ao rapaz que existe vida a ser vivida independente dos limites inicialmente impostos. O segundo, um pária que retornou depois de viajar ao redor do mundo, se torna uma espécie de mentor ao incentivar que Muzamil ultrapasse as barreiras de seu vilarejo e ganhe o mundo. Afinal, estar condenado também não deveria significar que já não existe nada a se perder?
Mais do que falar de uma vida com prazo de validade, o filme se debruça na pobreza que há numa vida sem perspectivas, que se deixa ser assassinada antes mesmo de ser vivida por conta dos dogmas impostos pelo mundo que encontramos já formado antes de nascermos. A morte metafórica de Muzamil é a morte de sua oportunidade de viver plenamente e, portanto, morrer para esta vida pode significar na verdade a possibilidade de viver sob seu próprio julgo.
Ainda assim, Amjad leva seu filme mais longe ao demonstrar que a busca por novos modos de viver e possibilidades diferentes de liberdade exigem um movimento de força de vontade. Nada está posto ou será conquistado facilmente. E o mundo não deixará de praticar suas injustiças, não baixará facilmente suas barreiras e nem concederá caminho livre. A vida, como Muzamil aprende, é uma estrada de dificuldades que leva a possíveis oásis pelo caminho, sem nunca deixar de cobrar pelos seus tropeços.
Este texto foi desenvolvido no Laboratório Crítico, que aconteceu durante a edição 2024 da Mostra de Cinemas Africanos em Salvador, ministrado pelo crítico de cinema Rafael Carvalho.