O futuro é aqui

por Olivier Barlet

TÍTULO
Ar Condicionado
DIREÇÃO
Fradique
PAÍS
Angola
ANO
2020

Produzido inteiramente na Nigéria, Eyimofe, primeiro longa-metragem dos irmãos gêmeos Arie e Chuko Esiri, originários de Warri (Delta State, Nigéria) e formados nos Estados Unidos, foi selecionado no Berlinale Forum onde já haviam apresentado seu curta-metragem Besida em 2018. Representa um alien face à produção de Nollywood e destaca, com maestria impressionante e escrita muito contemporânea, o cotidiano das pessoas invisíveis que sobrevivem no turbilhão de Lagos.

Mofe trabalha como técnico em uma gráfica. Rosa é cabeleireira. Ambos também fazem trabalhos paralelos: Mofe como vigia noturno, Rosa como bartender. Eles têm o suficiente para sobreviver, mas ambos sonham com um lugar inalcançável em outro lugar. Não é que eles queiram deixar sua família, sua cultura, seus hábitos, mas Rosa deseja poder sustentar sua irmã grávida Grace, e Mofe se vê diante de sua irmã Precious sozinha com seus filhos.

Mofe obtém com muito custo no mercado ilegal um passaporte em nome de Sanchez para ir à Espanha, mas ainda precisa de visto. Rosa mira a Itália e encontra um romance com Peter, um expatriado americano. O filme divide-se assim em duas crónicas: Espanha e Itália, mas mantém-se ancorado em Lagos porque os caprichos da vida impedem a perspectiva de partir… Será que Rosa e Mofe vão se encontrar? Essa tensão constrói um cenário em si, por mais tênue que seja, mas a tensão do filme é, sobretudo, feita de seu cotidiano e de seus problemas. Não é pelos mistérios de uma história que se resolve – e que rapidamente exigiria a continuação – mas pela exploração dos detalhes que fazem a vida, por vezes dramática mas sem páthos. A emoção reside na sobriedade e o imprevisível domina.

É Lagos borbulhando de caos e cor, que as tomadas lúcidas e incisivas de 16 mm de Arseni Khachaturan tornam singularmente sufocantes e familiares. As tomadas internas são sutilmente iluminadas e emolduradas, para destacar a pequenez do local. A montagem multiplica as elipses para nos deixar adivinhar os fios de uma tela que entrelaça relações humanas, contingências materiais, gênero, laços familiares, cor da pele, desejo e religião – essa complexidade que faz a vida. Perigo e morte estão à espreita neste mundo de insegurança: eletrocussão, asfixia… O dinheiro está sempre presente no enredo, determinando cada passo, cada perspectiva. Ele atua como um revelador para cada personagem: o pai de Mofe, Peter, Mr. Vincent, Mama Esther…

Poderia ser banal em uma situação de precariedade se tudo isso não destacasse dura escolha com a qual aqueles que sobrevivem são confrontados, a do compromisso. Eles têm que lidar com isso para poder ajudar seus irmãos. De fato, Rosa materna e Mofe conserta: não saímos dos papéis de gênero, mas não deveríamos proteger e reparar em uma sociedade à deriva? Mofe e Rosa mostram uma maturidade impressionante, pois se deixam guiar por seus valores e sua exigência de dignidade e não pela raiva ou ressentimento que, no entanto, os tenta. Eyimofe não é mais apenas uma brilhante crônica realista, mas um filme moral, no sentido que o neo-realismo italiano foi em tempos de incerteza e reconstrução.

This is my Desire [Este é o meu desejo]: o título do filme dá a sua substância. Se aproxima de Esperando a Felicidade (Heremakono) de Abderrahmane Sissako. Mofe e Rosa aspiram a outra vida, daí seu plano de partir, mas no fundo sonham menos com um outro lugar do que desejam uma vida melhor onde estão, o lugar de seu desejo. Eles encarnam, sem nunca expressar senão através de suas buscas e ações, uma África em dificuldade que aspira a definir um futuro onde já se está. E para mostrar que isso ainda é possível com esse grão de sabedoria (wisdom) é que Mofe mostra os escritos em sua blusa verde no final do filme: com coragem e solidariedade.


Originalmente publicado no site Africultures.
Tradução autorizada pelo autor.