Entre aromas e dilemas: reflexões sobre amor e cultura em “Black Tea”

por Samara Castro

Filme Black Tea – O Aroma do Amor (2024), de Abderrahmane Sissako

Por Samara Castro

Black Tea – O Aroma do Amor é uma produção sofisticada, com a música Feeling Good de Nina Simone, compondo a trilha sonora do filme. A primeira cena é marcada por um casamento no civil coletivo, na Costa do Marfim. É um drama que acontece sobre os dilemas matrimoniais, em que uma mulher se vê traída um dia antes de subir ao altar. Determinada, se muda para uma cidade na China em que sente o aroma da vida a partir da produção de chás. 

O que chama atenção é uma produção bem atual, marcada pelas tentativas de influências culturais na África, seja na interferência europeia com a ideia de um casamento civil e coletivo, seja na presença da China colocando-se como a nova potência, tentando o domínio econômico nos países africanos.

Inicialmente o enredo é confuso, à medida que Aya (Nina Melo), já na China, convive com comunidades negras também em situação de migração. Ela trabalha para o chinês Cai (Han Chang), por quem se apaixona, mas ele vive um tensionamento com sua ex-esposa, com quem tem um filho. O casal se encontra sempre às cegas, em um restaurante e, na cena em que vão para casa, são surpreendidos pela visita dos pais da ex-esposa, para celebrar o aniversário do neto. Cai pede para que Aya se esconda no quarto. Lá ela escuta as conversas e comentários preconceituosos acerca das comunidades negras que estão a migrar. 

O enredo contorna as dores provocadas pelos homens e a semelhança das lamentações das mulheres quando se tratam de relacionamentos amorosos e traições. O homem por quem Aya se apaixona tem uma filha fora do casamento com uma mulher negra a quem ele abandonou (qualquer semelhança é mera coincidência com a realidade brasileira de mães pretas solteiras). Aya, por sua vez, se torna passiva e o aconselha a ver a filha. Mas abandona o noivo no altar nas cenas iniciais do filme, travando assim um tensionamento de como as relações são estabelecidas entre os semelhantes e os antagônicos. 

Interessante como a mulher que foi abandonada recebe alegremente a visita de Cai e arruma sua filha para recebê-lo, sem questionar a ausência.  No desenrolar da trama, por um instante Aya percebe o conflito em que está enrolada e nos faz refletir como as mulheres acabam sofrendo pela fragilidade do amor, seja com seu casamento, seja sendo a amante. 

O diretor destaca os formatos de relacionamentos tradicionais, em que os homens tendem a não estar motivados a uma relação transparente. E que no contato intercultural entre Ásia e África, a partir de Aya e Cai, se configura um jeito livre/claro no estabelecimento das relações, agora permeados pela conversa e transparência. 

A presença deste enredo talvez seja uma alusão aos desdobramentos futuros das conexões entre China e África… Mas, sem sombra de dúvidas, a produção de Black Tea é significativa à medida que aciona questões atuais e tensionamentos reais sobre as relações amorosas. Deixa reflexões quanto a outras possibilidades de afeto em que os problemas que permeiam as relações possam ser vistos de maneira transparente. 

Por fim, a cena inicial em que Aya está no altar retorna para o final, porém acrescida da expressão facial duvidosa, induzindo que o filme foi um sonho com reflexões sociais sobre os arranjos amorosos em que mulheres estão envolvidas, permeado pelo forma como o patriarcado se apresenta em diferentes contextos culturais.

Este texto foi desenvolvido no Laboratório Crítico, que aconteceu durante a edição 2024 da Mostra de Cinemas Africanos em Salvador, ministrado pelo crítico de cinema Rafael Carvalho.