Realismo mágico em Luanda

por Olivier Barlet

Raros são os filmes que nos chegam de Angola. Selecionado em Roterdã e em competição em Friburgo, Ar-Condicionado, de Fradique e seu coletivo Geração 80, é um filme intrigante, profundo e mágico que vale a pena ver.

Não se sabe por que, os pesados aparelhos de ar-condicionado se descolam dos muros um depois do outro em uma Luanda esmagada de calor, resultando às vezes em ferimentos ou mortes. É nesse cenário delirante de curta-metragem que que foram construídas ao mesmo tempo uma história e uma ambiência na linha do realismo mágico do escritor moçambicano Mia Couto. Matacedo (José Kiteculo), um porteiro marcado pela guerra civil, é chamado por Zezinha (Filomena Manuel), uma faxineira, para consertar o ar-condicionado do seu patrão que não para de reclamar. Ele o confia a uma loja de reparos de má reputação, mas que se revela um lugar de iniciação… Não se trata de uma ficção científica, mas o mistério é permanente, apoiado pelas imagens em steadycam de Ery Claver, corroteirista de Ar-Condicionado e ele mesmo presente em 2019 em Clermont-Ferrand com o seu curta experimental Lúcia no céu com semáforos.

Fradique, que estudou cinema nos Estados Unidos, mas retornou à Angola, assinou sob o nome de Mario Bastos um excelente documentário histórico engajado: Angola – Nos Trilhos da Independência. Aqui ele muda radicalmente de registro, não hesita em legendar os diálogos que os personagens trocam por telepatia, optando por monocromias barrocas e ângulos de câmera ou perspectivas expressionistas, e sobretudo se apoiando na incrível trilha original meio jazz de Aline Frazão.

A inércia pesada de Matacedo, à imagem daquela do país, não é estática. Ele conhece bem o prédio labiríntico do centro de Luanda no qual trabalha, cada canto e cada e cada família confinada nos apartamentos estreitos. O filme apresenta, então, uma visão empática e crítica das desigualdades sociais na cidade tida como a mais cara do mundo, rasgada entre seu passado trágico e as perspectivas futuras. Quando os dois personagens se encontram na loja surrealista de reparos de Kota Mino (David Caracol), eles descobrem a máquina que ele está montando em segredo para restaurar a memória do povo. Essa viagem pela dor os aproxima do segredo dos aparelhos de ar-condicionado.

É o ritmo de uma cidade que Ar-Condicionado tenta capturar, analogia de uma sociedade à qual lhe falta o ar, inscrevendo-a assim entre passado e futuro no grande jogo do mundo. É necessário evocar essa história excêntrica e esse humor, essa melancolia e essa estética descolada. O filme tem pouco mais de uma hora e a atuação refinada do elenco evita qualquer teatralidade. Alguns vão se entediar, mas aqueles que aceitam mergulhar num universo enigmático, ainda que fortemente significante, essa experiência poética pode fascinar. Porque Ar-Condicionado é uma viagem onírica no cotidiano mágico de Luanda, onde os instrumentos tradicionais de Aline Frazão enriquecem seu jazz tanto quanto ampliam a visão.


Originalmente publicado no site Africultures.
Tradução autorizada pelo autor.