Filme Black Tea – O Aroma do Amor (2024), de Abderrahmane Sissako
Por Patrick Levi
Como em boa parte de Black Tea (Abderrahmane Sissako, 2024) o enredo se desdobra na construção de conexões e também explora conciliações viáveis e a dificuldade da superação de certos desafios culturais, é possível afirmar que há diferentes abismos que os personagens do longa precisam superar durante a história contada — linguísticos, culturais, familiares etc. Em uma narrativa em que elos são construídos e quebrados (como no início da história retratada, quando a protagonista decide dizer “não” ao noivo no altar) em demasia, a impressão que fica é que 1h50min não são capazes de fazer as decisões tomadas pelos personagens maturarem o suficiente — não que tempo de tela seja o único fator determinante para ações terem peso em um filme.
No entanto, as relações às quais a direção dedica mais atenção conseguem convencer o espectador que há ali algo absolutamente interessante a ser mostrado. O maior exemplo disso talvez esteja na conexão a priori improvável entre Aya (Nina Melo), que em dado momento saiu do seu país de origem, a Costa do Marfim, para ir atrás de um renascimento na China, onde africanos em êxodo convivem lado a lado com essa cultura absolutamente diferente; e Cai (Han Chang), personagem mais contido e cujas camadas são apresentadas pouco a pouco.
Os distintos se conectam e os abismos diminuem de forma eficaz por causa de um grande trunfo da narrativa: fazer o que era de início inverossímil ganhar solidez com a feitura do chá como artifício. Em certos momentos, a delicadeza e a sensualidade caminham juntos e os diálogos fazem o público se questionar sobre qual assunto aqueles personagens estão de fato abordando (ainda estão falando de chá?) — um acerto justamente por fomentar a capacidade imaginativa da audiência.
As ramificações da história principal, entretanto, não têm esse mesmo impacto. O arco de Cai buscando se reconectar com sua filha (em mais uma tentativa de superar um abismo) peca por abrir mais um parêntese nessa história que já tem grandes questões a serem resolvidas e não conseguir fechar sem parecer que foi resolvido às pressas. Coisa similar ocorre no terceiro ato, quando o que seria o acontecimento mais emblemático – uma cena onde um dos protagonistas fica de frente a uma situação que põe em xeque princípios que podem determinar o quanto ele evoluiu durante a história – apresenta implicações com menos força porque, nessa mesma cena, os personagens secundários carecem de desenvolvimento até ali. Suas ações perante a mesma situação não pesam o suficiente e, consequentemente, seus feitos tem pouca relevância/impacto.
No fim, um ponto positivo é como metaforicamente o cinza predomina na personalidade de Cai. Como todo ser humano, o personagem é cheio de contradições, o que faz gerar um certo tipo de conexão com o espectador mais autocrítico. Quando o público, e a Aya, esperam uma atitude enfim incisiva, a fim de se impor por alguém a quem ele teria apreço, a passividade o norteia — o que pode ser agridoce para alguns, mas inquestionavelmente faz sentido dado o que foi apresentado dele durante o filme. Às vezes, de onde menos se espera é de onde não vem nada mesmo.
Este texto foi desenvolvido no Laboratório Crítico, que aconteceu durante a edição 2024 da Mostra de Cinemas Africanos em Salvador, ministrado pelo crítico de cinema Rafael Carvalho.